segunda-feira, 5 de agosto de 2013

[Epifanias do Metrô Lotado]

Saí de botafogo às 18h, fazia tempo que não pegava o metro nesse horário. Ainda mais nesta estação. Vinha de uma consulta médica que me rendeu de presente três recortes de jornal com matérias interessantemente esdruxulas da Folha de São Paulo para ler na viagem. Ao entrar na plataforma lotada havia uma composição parada prestes a sair. Me posicionei como de costume na linha amarela e esperei os vagões saírem quando percebi que havia mais um paredão de gente do outro lado do abismo de trilhos também perfilados e nos encarando. Tive a primeira epifania da viagem: Me dei conta que nesta estação, um só trilho divide de um lado os que vão para a Saens Peña e de frente para nós, os que vão à Pavuna. Fiquei alguns minutos observando o abismo de trilhos bem simbólico que nos separava até que o metrô da vez abrisse as portas do meu lado.




Fui involuntariamente levado para dentro por uma massa uniforme de pessoas. Fiquei de rosto quase colado com um senhor que estava encostado na parede e me encarava de rabo de olho, afinal se nos olhássemos de frente tocaríamos os narizes. Atrás de mim, uma senhora bem alta encaixou a bunda na minha lombar como um quebra-cabeça anatômico de encaixe quase perfeito e a cada sacudida me jogava sensu-tragicamente ao encontro do senhor a minha frente. A cada estação, mais gente entrava e em certo ponto eu não enxergava mais pessoas - Todos pra mim pareciam moedinhas entrando nessa espécie de cofre-porquinho ambulante. Segunda epifania da viagem: O metrô é um grande porquinho empanturrado de moedinhas de um garoto mimado que acha que sempre tem como enfiar mais uma moeda pela pequena abertura.

Observava durante o trajeto os cabelos brancos sentados. Ostentosos de sua branquisse - Passaporte indelével da vaga sentada. Os rostos um tanto silenciosos e tristes dos que estavam em pé invejando a branquisse capilar alheia. Até que um rapaz próximo disse a frase que não censurarei - "Porra, mané... Para de roçar a rola na minha bunda!", a mulher na frente do reclamão endossou "E você para de roçar na minha!" e um filósofo mais a frente concluiu "Gente, a roçada é involuntária!" - Terceira epifania da viagem: O metrô às 18h é como a vida... Você sempre vai achar que tem gente querendo te foder enquanto não sabe que está fodendo alguém.

Com algumas estações passando naturalmente houve um esvaziamento e consegui, ainda que com dificuldade pelo número de pessoas que ainda lotavam, sacar os recortes de jornal. Só depois de ler o primeiro parágrafo da notícia me dei conta que ao meu lado estava o Babá (sim, o político do PSOL). Ele olhou a Folha de São Paulo com foto de matéria meia página sobre o Cabral, vagou o olho até a garrafa 600ml vazia de coca-cola que eu levava meio colocada no bolso da calça e senti que me julgava. Tudo bem, também já o tinha julgado quando ele foi expulso do PT.

[criancice]Tirando que meu bigode é melhor que o dele[/criancice].

O metrô deu uma esvaziada boa, mas toda vez que eu levantava o olho, lá estava Babá a me olhar. Confesso que me incomodou, mas já superei (haha). Quando as portas se abriram na estação final saímos de todos os vagões para a minúscula plataforma. Mais uma epifania: Nesse ponto da viagem as pessoas não são mais moedinhas. Para mim todos eram uma mistura de gado indo pro abate e peregrino involuntário seguindo numa romaria de penitencia escada acima com passos ritmados para não sermos atropelados/atropelar... ou pior - cair nos abismos de trilhos que estão em ambos os lados. Na peregrinação diária involuntária os rostos cansados e tristes partilhavam a mesma fé. A fé de que chegaríamos logo em casa e a certeza de que amanhã seria igual para a maioria. Entendi que os rostos tristes eram a tristeza da conformidade de gente que já aceitou o destino bovino. Me senti uma vaca. Quase mugí alto.

Comprei na volta pra casa meu pacote de câncer homeopático. Mario Quintana disse uma vez que "O cigarro é uma maneira sutil e disfarçada de suspirar". Faz sentido, eu precisava suspirar. Veio a última epifania da noite: Entendi o que o poeta queria dizer com "Ê, Ô, vida de gado."

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